Ficha Limpa tem semana decisiva no STF

Coordenador do MCCE, juiz Márlon Reis diz que não trabalha com hipótese de Ficha Limpa não ser aplicada este ano



MÁRCIO COELHO

Movimento que reuniu assinaturas para apresentação de projeto pressiona ministros a confirmarem validade da nova lei nestas eleições em julgamento de recurso de Roriz.

O destino da Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/10), que proíbe a candidatura de pessoas com condenações por órgãos colegiados de Justiça, deve ser definido na próxima quarta-feira (22). Esta é a data prevista para o julgamento do primeiro recurso ordinário questionando decisão da Justiça Eleitoral que barrou um candidato com base nas novas regras de inelegibilidade. Por conta disso, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), com o apoio de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), acertou uma programação para sensibilizar os ministros a ratificarem a constitucionalidade da lei.



O primeiro passo é a entrega de um manifesto assinado por alguns dos mais renomados juristas do país. Especialistas na área constitucional como Dalmo de Abreu Dallari, Celso Antonio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato subscreveram o texto, assim como ex-presidentes do Conselho Federal da OAB. Um deles é Marcello Lavenère, que assinou o pedido de impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello junto com presidentes de outras entidades na época. O grupo também levará aos ministros do Supremo um abaixo-assinado virtual que conta com mais de 120 mil assinaturas.

"Nós estamos otimistas. Todas as especulações sobre votos não nos preocupam", disse o presidente do MCCE, juiz Márlon Reis, ao Congresso em Foco. Por ser uma legislação nova, a Ficha Limpa tem suscitado uma série de dúvidas e debates nos meios jurídico e político. Apesar de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao analisar duas consultas e casos concretos, ter afirmado que as regras valem para este ano e são constitucionais, ainda falta o crivo da corte responsável por guardar a Constituição Federal. O primeiro processo a chegar ao Supremo tem como personagem principal um político emblemático pelo envolvimento em casos nebulosos na capital do país: Joaquim Roriz (PSC).

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O ex-governador do Distrito Federal, que tenta seu quinto mandato à frente do Executivo local, foi barrado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-DF) em julho, no dia de seu aniversário, por conta da renúncia ao mandato de senador em 2007. Ele deixou o cargo para evitar um processo por quebra de decoro parlamentar no Senado. A representação apresentada contra ele referia-se aos fatos investigados pela Operação Aquarela, que obteve gravações de ligações telefônicas em que Roriz aparecia discutindo a partilha de um cheque de R$ 2 milhões do empresário Nenê Constantino, dono da empresa Gol Linhas Aéreas. Na defesa, o então senador afirmou que a conversa era para fechar a compra de uma bezerra.

O indeferimento do seu registro de candidatura foi confirmado pelo TSE em agosto. Ele, então, entrou com uma reclamação no Supremo, que acabou negada pelo ministro Carlos Ayres Britto. Ao mesmo tempo, apresentou um recurso extraordinário no tribunal eleitoral, pedindo a subida do seu processo ao STF. Na última quarta-feira (18), a ação chegou à corte suprema. O relator também será Carlos Ayres Britto. A defesa de Roriz se baseia em quatro argumentos para tentar reverter a posição tomada.

Primeiro, os advogados do ex-governador afirmam que a Lei da Ficha Limpa não poderia ser aplicada nas eleições de outubro. Isso por conta do artigo 16 da Constituição Federal, que prevê o princípio da anualidade em leis eleitorais. Porém, o entendimento do TSE foi outro. Para a maioria dos ministros, a norma não altera o processo eleitoral. Por isso, não é necessária a aplicação do princípio constitucional.

No recurso, outro argumento usado é que a renúncia de Roriz ao mandato de senador, em 2007, configurou um "ato jurídico perfeito", protegido pela Constituição Federal e, por isso, não pode ser causa de inelegibilidade. Para os advogados do ex-governador, como ele renunciou três anos antes de a lei ser sancionada, não havia como saber que, no futuro, deixar o cargo definitivamente poderia deixá-lo fora das próximas eleições.

Em outro ponto, argumenta que a Lei da Ficha Limpa viola o princípio da presunção de inocência e também caracteriza um abuso do poder de legislar ao estipular um prazo de inelegibilidade que ofende o princípio constitucional da proporcionalidade. Por fim, sustenta que o indeferimento do seu registro de candidatura afronta o princípio do devido processo legal também previsto no artigo 5º da Constituição Federal.

Desde que Roriz foi barrado, políticos e advogados especulam como os dez ministros do Supremo votarão. De certo, até agora, a posição de quatro deles. Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, que presidente o TSE, e Marco Aurélio Mello já mostraram seus posicionamentos sobre a lei na Justiça Eleitoral. Cármen Lúcia e Lewandowski afirmam que a regra é constitucional e que pode ser aplicada em outubro.

Já Marco Aurélio acredita que o artigo 16 da Constituição precisa ser observado. Além disso, o ministro admite que o texto da Lei Complementar precisa de uma análise mais aprofundada de acordo com a carta magna. José Dias Toffoli, ao analisar um pedido de liminar para suspender uma condenação de uma candidata a deputada em Goiás, disse que o texto precisava ser analisado com mais profundidade. Para ele, a norma tem aspectos inconstitucionais.

Outros ministros, como Celso de Mello, Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes não se manifestaram diretamente sobre a lei, mas são considerados votos certos para os dois lados. Barbosa e Ayres Britto, por terem negado liminares no Supremo para suspender condenações, são tidos como votos favoráveis à norma. Já Celso de Mello e Mendes são, na teoria, contrários à ficha limpa por conta de aspectos constitucionais. Os votos do presidente do STF, Cezar Peluso, e de Ellen Gracie ainda são tratados como incógnitas.

"É uma situação incomparável. Os outros julgamentos e posicionamentos são em casos diferentes. Para a gente, este julgamento começa do zero", disse Márlon Reis. Otimista, ele diz que o movimento não trabalha com a hipótese de a Ficha Limpa não ser aplicada neste ano. Ou, em um cenário pior, ser considerada inconstitucional pelo Supremo.

Ele e a diretora do MCCE, Jovita José Rosa, lembram que o projeto veio da mobilização popular, de mais de três milhões de assinaturas, entre reais e virtuais. "O projeto Ficha Limpa nasceu de um movimento legítimo da sociedade brasileira. Se o Supremo derrubar essa lei, o que nos resta? Quebrar tudo? Ter sangueira nas ruas? Fazer guerrilha? Vai ficar a sensação de que a punidade no Brasil só existe para pobre e preto", disse Jovita. O posicionamento dos ministros não é a única incógnita do julgamento previsto para acontecer na próxima quarta-feira. Com a aposentadoria do ministro Eros Grau, em agosto, até agora a corte está com um integrante a menos. Se houver empate na votação - cinco a cinco -, o regimento interno do STF diz que o presidente tem o voto de qualidade. Ou seja, a posição que Peluso tomar, no caso de igualdade, será a vencedora.

No entanto, segundo reportagem publicada ontem (18) pelo jornal Correio Braziliense, há uma outra interpretação. Primeiro, não se sabe como aplicar o voto de qualidade de Peluso. Depois, qualquer ação para sair vencedora no Supremo precisa de seis votos. Por isso, para evitar o voto de qualidade do presidente, já existem juristas, de acordo com o periódico, que defendem a convocação de um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para completar o quorum. Mas o desfecho só será definido pelos ministros em caso de empate.

(Com informações do Congresso Em Foco)

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